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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Desprezo



 Por Sofia Lobo
O Desprezo (Le Mépris, 1963) não é  necessariamente um filme da Nouvelle Vague, porque se afasta da liberdade técnica e autoral proposta pelo movimento. Entretanto, é hoje considerado um clássico do cinema europeu.  Julgado como um filme “menor” do diretor Jean-Luc Godard, O Desprezo é notável pela complexidade da metáfora que carrega.
É também repleto de características próprias de Godard. No início, os créditos não nos são apresentados tradicionalmente, na forma de letreiros. O próprio diretor os fala, e assim mesmo somente os nomes dos atores. Outra marca registrada de Godard é a presença de referências: "O cinema é uma invenção sem futuro", dos irmãos Lumiére e "O cinema mostra-nos um mundo de acordo com os nossos desejos", de Bazin. A frase de Jerry Prokosh (Jack Palance) -  Quando ouço a palavra cultura pego o talão de cheques -  é também outra curiosa referência, que faz menção a Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda Nazista, que afirmou: Quando ouço a palavra cultura eu saco o meu revolver. 
O filme narra a crise amorosa de Camille (Brigitte Bardot) e Paul (Michel Picoli), casal que está de visita à Itália. Paul é escritor de peças teatrais, mas para garantir uma vida confortável à mulher, se compromete a escrever o roteiro da releitura do romance épico A Odisséia para o cinema, o que pode render muito dinheiro. A adaptação é produzida em Capri, dirigida por Fritz Lang, que interpreta a si mesmo, e Jerry Prokosh, personificação de Hollywood, com sua arrogância e falta de estima pela arte.
Em algum momento da viagem, Camille tem a impressão de que Paul não a ama mais. Ela passa a nutrir desprezo profundo pelo marido e entrega-se à Jerry Prokosh.
O Desprezo trata, a princípio, dos dramas dos relacionamentos amorosos. O brilhantismo de Godard está na metáfora da tragédia grega. Os personagens são, possivelmente, adaptações da Odisséia de Homero: Paul é Ulisses assim como Camille é Penélope, a esposa que aguarda seu herói. Mas a distância entre os dois não é, desta vez, o Mar de Ítaca, mas um imenso e frio desprezo. Há quem diga que o filme é autobiográfico e retrata, na verdade, Godard como o roteirista e a esposa como Anna Karina, mulher do diretor na época.
À parte as referências e metáforas, O Desprezo é, também e principalmente, uma metalinguagem do cinema. Trata-se da visão muito pessoal de Godard sobre a arte de fazer cinema.
Godard depositou nos personagens as representações do meio cinematográfico. Paul é o ingênuo e intelectual criador, o qual acredita ser possível aliar mercado e arte. Fritz Lang, com sua presença marcante, é a imagem do cinema tradicional e elegante, porém ciente das limitações mercadológicas. Jerry Prokosh é Hollywood, que elimina a arte em nome do lucro.
O Desprezo não retrata, portanto, somente o declínio de uma relação amorosa. É o retrato do desprezo de Godard pelo cinema submetido ao mercado – o mesmo mercado que o obrigou a inserir mais cenas de nudez da musa Brigitte Bardot – e do seu amor pelo cinema livre e sincero.


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